sexta-feira, 30 de abril de 2010

O QUE É A SAGRA

Texto para o encontro dos Corbellini
Se o pão é necessário para o corpo, o convívio social é necessário para o corpo e a mente. O Imigrante italiano, assentado no rio Grande do Sul, lutou arduamente para garantir um e outro. Sucessivamente as gerações de descendentes deste bravos imigrantes procederam da mesma forma.
A Sagra
A sagra não é a única forma de expressão da sociabilidade no interior das colônias ítalo-brasileiras do Rio Grande do Sul, desenvolvidas em torno da capela> Ocorriam muitas festas menores, criadas por esse homem rude e forte que aprendeu a far da se a não dispensar o convívio alegre e comunitário, vivendo in societá. Trabalhou sem deixar-se afogar pelo trabalho; foi religioso sem ser beato. E nisto aprendeu sem ser ensinado, embora contasse, esporadicamente, com presenças esclarecidas e sábias como foi, por exemplo, a do PE. Frei Bruno de Gillonnay, da Colônia de Conde D’Eu aqui de Garibadi.
Além da sagra, havia, é claro outras festas, promotores do convívio social e da celebração da vila. Filós, festas de núpcias, em qualquer estação, menos no Advento e na Quaresma; festa da colheita do trigo com abundância do vinho e crostoli.(em dezembro); festa da vindima e do vinho doce (fevereiro-março);festa de fim de ano e Epifania (Pan e Vin), com belas, românticas cantorias, na bodega, nas estradas e nas casas del pranzo, festa da escola, com os célebres exames escolares, para os quais compareciam a junta examinadora, designada pelo Intendente ou Prefeito Municipal, presidida pelo subprefeito, pelo escrivão e pelo doutor (médico); partidas de futebol e de bochas; Natal, com a chegada do Menino Jesus (Bambin Gesú) e os modestos apreciadores presentes para as crianças: a Páscoa, procedida pela Semana Santa, com o silêncio, a via crucis a procissão com o canto do popule meo, cantado de cor pelos colonos, e o racolon; o carnaval, com jovens mascarados, de rosto pintado de preto com, carvão vegetal, e tímidos bailes nas modestas bodegas, proibidas pelos padres, o que gerava um especial gesto de cumplicidade; a festa de prestação de contas da diretoria da capela (giorno dela reza dei conti dela societá dela ciesa);aos domingos todos rigorosamente distintos nos dias da semana; Sabrico de melado rapaduras de cana de açúcar (no inverno) raros bailes, nas tardes de domingo; eventuais reuniões políticas, animadas por gaiteiros; inaugurações de casas, de capelas, de capitéis, de pontes, de moinhos e de estradas; visitas do padre à capela, missões populares, visitas de parentes ou amigos distantes, mutirões de ajuda-mútua; visita do bispo (raras e somente nas capelas maiores, mas muitíssimo concorridas e apreciadas, porque havia crismandos em todas as famílias); despedida e retorno de soldados; passarinhadas, pescarias, risotos e pinholadas; paradas de Sete de Setembro, quando se ia à sede do distrito para participar e ver os desfiles e algumas discursos inflamados, com a presença dos reservistas; missas feriais e dominicais; velórios e enterros. Tudo se transformava em formas e rituais concretos de intercomun9idcação social.O visitante eventual e distraído não perceberia estas formas de vida, que irrigavam a intersubjetividade das capela. Quem nelas viveu e ouviu as longas histórias contadas em torno do fogão (fogolaro), nas longas tardes-noites de inverno, recorda e reflete.
Muitas destas festas restringiam-se a pequenos grupos familiares, mas todos eram informados. As noticias corriam, gerando comentários nem sempre favoráveis.
Mas o que prevalecia, pela participação total, pela profundidade, pela regularidade, pelo caráter festivo, religioso e profano, era a Sagra, festa do padroeiro ou padroeira da capela. Uma por ano, no mínimo, e no máximo, duas. Uma para o padroeiro principal e outra para o secundário. A festa era sempre celebrada no dia litúrgico comemorativo da padroeira ou do padroeiro, mesmo que ocorresse durante a semana. A data era intransferível. Impensável qualquer transferência de data, mesmo que partisse do padre. Ceder neste ponto seria negar a própria sagra. Esta determinação escondia ( ou revelava) um secreto orgulho do imigrante e de seus descentes; eram pobres, economizam, mas não tinham patrão. Deixavam de trabalhar quando queriam, sem ter que dar satisfação a quem quer que fosse (no son mia soto Le scarpe Del paron; prima la Madona, dopo i afari).
Era ( não é mais) festa religiosa e social. Sacra e profana, mas tudo no seu tempo e lugar. Na hora da missa ninguém se omitia; na hora da festa social era para todos. Juntavam e separavam com maestria. A Igreja, nas capelas coloniais do Rio Grande do Sul, sempre teve estas duas faces: comunhão religiosa e reunião social. Daí seu apreço, aceitação e profunda raízes na pequena sociedade da capela. Escreveu o Prof. Fiori: “Como o homem não é um ser isolado, mas essencialmente social. As capelas conheceram esta dimensão social, promotoras de laços familiares e de profundas e alegres interações
Por isso, esses homens e mulheres – tidos por rudes e incultos, trabalharam de sol a sol, criaram suas famílias numerosas, acolhiam os frutos da terra, cuidavam de seus doentes e enterravam seus mortos sem perder o poder o equilíbrio mental. Conservavam-se sadios. O envolvimento social amenizada a depressão e evitava desfechos trágicos. Quando a saudade e o desconforto batessem à porta, o remédio era, quase sempre um copo de vinho, uma cantoria, um filó bem aproveitado. Se os encontros sociais demorassem um pouco mais que o costumeiro e se alguém observasse este excesso (strapass), não faltava nunca quem, sabiamente observasse: valá, vala, pré compagnea uma volta se a maridá anca um frate.
Etnias e Carisma
Texto de Aldo Migot

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